O ataque de uma onça-pintada ao caseiro Jorge Ávalo, de 60 anos, no coração do Pantanal, levantou diversas dúvidas pelo Brasil sobre o comportamento do animal. Apesar de diversas instituições de proteção animal explicarem que o caso é raríssimo e temerem ‘ódio gratuito’ à espécie após o animal devorar parte do caseiro, os comentários nas redes sociais dão vazão ao imaginário popular sobre as onças.
Um dos mais intrigantes, talvez, seria a história que ronda os pescadores: a de que a onça ‘pega gosto’ pela carne humana após um ataque. Segundo Tiago Leite, coordenador técnico do Instituto Profauna e biólogo especialista em Ecologia e Monitoramento Ambiental, incluindo de felinos, já existe um consenso entre pesquisadores que acompanham o caso de que corpo da vítima serviu de alimento ao animal.
Onça passa a gostar de carne humana?
Porém, Leite explica que o animal não ‘toma gosto’ pela carne humana. “Não é isso”, reforça. “A questão é que uma onça, às vezes mais velha ou com algum tipo de lesão ou comprometimento que a torne um pouco mais lenta para poder fazer uma caçada em ambiente natural de uma presa habitual, como um jacaré ou uma anta, e que descobre que o ser humano é uma presa potencial para ela, acaba dando uma certa predileção para esse possível recurso alimentar, o que sabemos que pode ser problemático”.
Casos do tipo geram desinformação e “pavor”, colocando animais em risco, conclui especialista. “Infelizmente, esse tipo de evento acaba ganhando grande repercussão por ser um evento traumático que causa um certo terror, e isso acaba gerando muita especulação e uma série de problemas”, diz. Ele alerta ainda que, após eventos como esses, a população busca realizar ”justiça com as próprias mãos”.
Raro, mas pode acontecer
Para explicar em que condições uma onça pode atacar humanos, conversamos com Diego Viana, pesquisador pantaneiro que aborda a coexistência entre o animal e humanos. Conforme o especialista, ataques de grandes felinos contra seres humanos são raros, mas podem acontecer.
Isso porque as onças-pintadas e as onças-pardas são predadores silvestres, com comportamento instintivo e territorial. Por não serem animais domesticados, qualquer interação com eles exige cautela e respeito.
“Ataques assim não são comuns, porém o fato de serem raros não elimina o risco. Por isso que toda presença humana em áreas com grandes predadores deve considerar medidas de precaução”, explica.
“É fundamental lembrar: onça não é animal doméstico. É carnívoro silvestre com instinto de caça e defesa. Por isso, toda interação, direta ou indireta, carrega um risco que precisa ser considerado e gerenciado”, frisa.
Diego explica que são diversos os fatores naturais e antrópicos que podem influenciar o risco de um ataque.
Fatores naturais:
- Defesa de filhotes, especialmente por fêmeas;
- Proteção de presas abatidas, quando o animal está se alimentando;
- Período reprodutivo (cio), com aumento da movimentação e reatividade;
- Encontros surpresa a curta distância, muitas vezes em áreas de vegetação fechada.
Fatores antrópicos:
- Presença de cães soltos, que podem acuá-las e gerar reação defensiva;
- Caça ilegal, que altera o comportamento e pode ferir os felinos;
- Prática ilegal da ceva, que condiciona os animais a buscar comida próxima de humanos;
- Descarte inadequado de restos de comida ou carcaças de peixes, bovinos, ovinos, que podem atrair grandes felinos para áreas de uso humano.
Como prevenir situações de risco?
Conforme o pesquisador, além da informação, existem ferramentas concretas que ajudam a reduzir a vulnerabilidade de pessoas e animais domésticos em áreas de coexistência com grandes felinos, como:
- cercas elétricas, protegendo currais, quintais e áreas de pesca;
- repelentes luminosos (Foxlights) e repelentes olfativos;
- educação ambiental contínua, voltada ao reconhecimento de comportamentos de risco e atitudes preventivas;
- manejo adequado de resíduos e carcaças;
- uso responsável de cães em áreas silvestres.
“Também é essencial que instituições públicas apoiem e facilitem o acesso a essas estratégias, promovendo políticas públicas, incentivos e apoio técnico à população rural e ribeirinha”, conclui.