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O Encontro de Jorge e a Onça

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No coração quente do Pantanal,
o céu se tingia de fogo ao entardecer,
e o Sr. Jorge, de boné desbotado e alma tranquila,
tomava seu tereré à sombra do ipê-amarelo,
sentado na varanda onde o rio passava calmo.

Era homem de fala mansa, olhar atento.
Sabia decifrar pegadas no barro
e escutava o canto dos bichos como quem lê poesia.

Naquela tarde, ela apareceu.
A onça-pintada, a senhora da mata.
Olhos de âmbar, corpo de ouro e sombra.
Parou diante dele como se viesse cobrar algo antigo.

— Homem… este chão me pertence.
Antes da tua casa, teus bois, teus trilhos…
Eu era o pulso da vida aqui.
Caço pra manter o ciclo.
Sou equilíbrio, sou alerta.
Mas teu mundo aperta o meu.

Jorge suspirou, puxou um gole longo de tereré,
e respondeu com respeito:

— Dona Onça, não sou invasor.
Tô aqui faz vinte anos,
não cerquei teu rio, nem furei tua caça.
Só cuido do que posso.
Divido, não domino.

A onça o fitou fundo,
e pareceu aceitar.
Virou-se e sumiu no mato
como se nunca tivesse estado ali.

A partir daquele dia,
contam que Jorge virou mais guardião que morador.
Protegia árvores, soltava animais presos,
alertava os vizinhos:
“A floresta tem dono, e não sou eu.”

Mas os anos passaram.
E numa manhã de cheia,
encontraram a porta de sua casa aberta,
o tereré ainda gelado na guampa,
o boné pendurado num prego.

Nada fora levado.
Só Jorge havia sumido.

As marcas no chão eram claras:
pegadas de onça, duas — uma maior, outra menor.
Como se duas rainhas tivessem se cruzado ali.

Alguns dizem que foi a mesma onça,
vinda cobrar o que Jorge prometeu.
Outros falam de uma nova,
sem pacto, sem memória, sem piedade.

Mas ninguém ousa falar de tragédia.
Porque no Pantanal,
quando um homem como Jorge parte assim,
em silêncio e com marcas de bicho,
vira parte da lenda.

E à noite, quando a lua reflete no brejo,
dá pra ouvir o rugido ao longe.

E quem conhece a mata diz:
“É só a onça… ou talvez o velho Jorge, ainda vigiando.”

Carlos Gentil vasconcelos
Biólogo
Autor de Zé Caré em busca do rabo perdido

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